"Não nos teríamos apercebido de muitas ideias nossas, se não tivéssemos conversado com os outros."
(Noel Clarasó)


sábado, 26 de novembro de 2011

Regime aplicável ao Direito fundamental à cultura

Qual o regime potencialmente aplicável ao Direito Fundamental à Cultura? Justifique.

Na Constituição da República Portuguesa (CRP) o direito fundamental à cultura está consagrado nos art.ºs 42, 73 e 78, que consagram direitos (de criação, de fruição, de participação, de autor e de fruição do património cultural), deveres (tanto dos poderes públicos como dos particulares), tarefas e princípios de actuação.

Na doutrina tradicional da CRP observa-se uma divisão dos direitos fundamentais em direitos liberdades e garantias (D, L, G) do artº 24º ao 57º, por um lado, e por outro, direitos económicos, sociais e culturais (D E, S, C) do artº 58º ao 79º. Ressalta-se ainda uma diferenciação de regimes que distingue os D, L, G detentores de um regime de natureza material (art.º 18), um regime de natureza formal ou orgânico (art.º 165, 1b) e um regime de natureza de revisão constitucional (art.º 288, d), dos DE, S, C que partilham apenas do regime de natureza material (art.º 18). O artº 17º da CRP diz que o regime dos DLG aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga, referindo-se assim aos DESC.

A doutrina tradicional, mais numa lógica de construção doutrinária do que numa exigência constitucional, assume que os D, L e G têm uma vertente objectiva, constituindo-se como princípio e critério de interpretação, que é corolário ou consequência do princípio da dignidade da pessoa humana, e uma vertente subjectiva, com uma protecção directa por parte do Estado na dimensão positiva e com uma abstenção de uma actuação concreta na sua dimensão negativa a, enquanto para os D E, S, C é contemplada apenas a vertente objectiva distinguindo, assim, uma dualidade de regimes jurídicos.

Nesta concepção, o direito à cultura, estando inserido nos DE, S, C (art.ºs 73 e 78) e qualificado apenas na vertente objectiva tem como regime jurídico aplicável o regime de natureza material (artº 18) consagrado no regime geral. No entanto, apercebe-se aqui, uma certa dicotomia em relação ao direito à cultura, uma vez que este também está consagrado no artº 42º (liberdade de criação cultural) inserido nos DLG.

O Professor Vasco Pereira da Silva defende uma concepção unitária do regime jurídico pelo qual todos e cada um dos direitos fundamentais são direitos subjectivos públicos e, como consequência, gozam das duas dimensões positiva e negativa dando, desta forma, uma posição de vantagem face ao Estado. Para ele, mesmo a solução constitucional de estender o regime dos D, L, G aos demais direitos constitucionais de natureza análoga (artº17º) não satisfaz a doutrina nem a jurisprudência nacional, uma vez que, “em nossos dias, os D, L, G não correspondem mais apenas a deveres de abstenção estaduais, mas exigem também a intervenção dos poderes públicos, da mesma maneira que os DE, S, C, para além de dependerem de tarefas estaduais, também conferem um domínio constitucionalmente garantido de agressões exteriores por parte de entidades públicas” (Silva, 2007: 136).

Assim, o direito à cultura tendo adquirido uma posição subjectiva de vantagem que é transversal às diferentes “gerações de direitos” pelo Estado Liberal, assume também uma vertente participativa no Estado social. Para ultrapassar a dicotomia entre D, L, G e DE, S, C, considerada de natureza mais política do que jurídica, o Professor Vasco Pereira da Silva advoga que “o denominado regime jurídico dos D, L, G, que integram um conjunto de regras destinadas a impedir agressões públicas (e privadas), é de aplicar a todos os direitos fundamentais na medida da sua vertente subjectiva; da mesma maneira como o denominado regime do DE, S, C, que corresponde à regulação da actuação dos poderes públicos, é de aplicar a todos os direitos fundamentais na medida da sua vertente objectiva” (Silva, 2007: 138). Há, por isso, um único regime jurídico aplicável a todos os direitos fundamentais seja qual for a sua qualificação jurídica e da sua arrumação constitucional.

Desta forma, enquanto direito fundamental, o direito à cultura “goza simultaneamente da natureza de direito subjectivo e de princípio estruturante do ordenamento jurídico ou de estrutura objectiva da comunidade, pelo que lhe é de aplicar tanto o regime jurídico dos D, L, G na medida da sua dimensão subjectiva (enquanto direito subjectivo público), como o regime dito do DE, S, C na medida da sua dimensão objectiva (enquanto princípio jurídico ou estrutura objectiva da sociedade) (Silva, 2007: 139)”.

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Referência bibliográfica: Silva, Vasco Pereira. (2007). A Cultura a que Tenho Direito: Direitos Fundamentais e Cultura. Coimbra: Almedina.


Trabalho realizado pelo grupo nº 1:
Inês Pereira – 131209503
Maria Alice Ferreira – 131209504
Maria Assunção Tavares – 131209502
Maria Loureiro - 131209505

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